Crise? Qual crise? Da inteligência!
Crise? Qual crise? Da inteligência!
Basta abrir as páginas dos grandes jornais brasileiro para ler-se que o Brasil enfrenta grave crise econômica e política. Entretanto, as crises parecem ser componente obrigatório em nosso cotidiano. O Rio Grande do Sul, por exemplo, está parcelando os salários de seu funcionalismo porque não dispõe de recursos para pagá-los. A Universidade de São Paulo, a instituição de ensino mais bem posicionado nos rankings internacionais entre as universidade brasileiras, luta para controlar uma folha de pagamento superior ao seu orçamento. A Unimed Paulistana não conseguiu administrar uma carteira com cerca de 740 mil clientes e terá de transferi-los para outras operadoras. Como um Estado, uma empresa supostamente sólida e a mais destacada universidade brasileira, com equipes compostas por profissionais com expertises em suas áreas, podem ser tão ineficazes e ineficientes em suas gestões? Qual a justificativa para tais fenômenos?
A resposta parece estar profundamente enraizada nos hábitos dos brasileiros, como demonstram algumas observações simples, tanto passadas como atuais. Comecemos com uma observação história, a vinda da Coroa Portuguesa para o Brasil em 22 de janeiro de 1808 . Em um país com população majoritariamente analfabeta, um mês após a chegada da Família Real aconteceu a criação da primeira faculdade brasileira, a Escola de Cirurgia da Bahia (atual Faculdade de Medicina da Bahia), em 18 de fevereiro de 1808. Um País sem escolas de ensino básico já tinha uma faculdade!Presentemente, com uma atividade produtiva em franca contração, a principal iniciativa do governo federal é agravar o cenário econômico com aumento da carga tributária e dos juros, já entre as maiores do mundo. De acordo com as informações mais recentes da Receita Federal, em 2013 o total de impostos pagos correspondeu a 35,95% do PIB contra 34,1% dos países da OCDE. Para melhor ilustrar a irracionalidade da ação brasileira, a China, que também enfrenta desaceleração em sua atividade econômica, promoveu acentuada redução em sua taxa de juros, como noticiou o jornal O Globo no 25/08/2015.
Explicitando o argumento ora defendido: no hábito predominante no Brasil as crenças pessoais ou coletivas são o guia da ação, em detrimento dos dados da realidade empírica. Ante a confissão de fé na importância de ter-se uma universidade, qual a importância de a população ser analfabeta? Coisa do passado? Absolutamente não. Na palestra "Educação: acelerando o futuro" proferida em 27/04/2009, a presidente do Instituto Ayrton Senna, de acordo com o portal de notícias Terra, afirmava que os alunos de português da 8ª série do ensino fundamental público precisariam de 247 anos para atingirem o nível de conhecimento da língua materna equivalente ao de alunos de países desenvolvidos. E o que é feito para melhorar a educação básica no setor público? Praticamente nada. Mas no setor universitário, reproduzindo o comportamento de 1808, temos uma enormidade de programas, como Ciência sem fronteiras, FIES, PROUNI e por aí afora (qual a importância se 65% da população entre 15 e 65 anos é analfabeta funcional, como aponta o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional do Instituto Paulo Montenegro ou que, no ranking da educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE Better Life Index), com 36 países, o Brasil ocupasse, em 2014, a penúltima posição, à frente somente do México?).
O predomínio do elemento crença, ou argumento de autoridade, antítese da argumentação baseada em dados empíricos, apresenta gravíssimas consequências para o bem estar material da sociedade. Além de violação da premissa que fundamenta o conhecimento científico, com predomínio da observação, descrição e reprodução da sequência dos eventos do mundo físico contidos em qualquer argumento e consequente confirmação (ou refutação) de sua validade, ocorrem bloqueios no avanço tecnológico do país. Disciplinas com fortes potenciais de aplicação, como Data Mining, em que possíveis correlações entre dados aptas a gerarem conhecimentos novos recebem sistemáticos incentivos em países com maior desenvolvimento, permanecem desconhecidas entre nós ou como simples fontes de saberes sem aplicações efetivas. Aliás, um dos pilares do desenvolvimento econômico contemporâneo, a gestão e planejamento estratégico em tecnologia da informação com base nas boas práticas disseminadas pelas modelagens ITIL, COBIT, BPM e CMMI, repousam na racionalidade das significações derivadas dos dados empíricos e não na irracionalidade das crenças infundadas.
Finalizando, ao privilegiar os comportamentos e atitudes com base nas correlações entre ações justificadas predominantemente por crenças e sem validá-las empiricamente, ignoramos o elemento fático contido nos dados e a geração de conhecimento decorrente da transformação crítica dos dados em informações (crítica porque questionamos continuamente se nossa interpretação dos dados conforma-se aos fatos de que são extraídos). Ignorando as informações oriundas da interpretação dos dados, abrimos mão de uma habilidade essencialmente humana para influir e transformar a realidade com vistas a solução de problemas, que é a faculdade da inteligência (ou habilidades intelectuais). Ao perdermos a capacidade de controlar e direcionar eventos para objetivos específicos possível pelo emprego lógico e racional das habilidades intelectuais, originamos as crises. Em resumo: a crise brasileira não é fundamentalmente econômica nem política, mas, essencialmente, uma crise de inteligência. Em 2015, continuamos intelectualmente tão ingênuos e despreparados quanto em 1808.