Escala do comportamento autônomo ou ... O papel da inteligência em sua vida
Escala do comportamento autônomo ou ... O papel da inteligência em sua vida
2015 está sendo um ano de crise que, prevê-se, se prolongará por 2016. Entretanto, desconfiamos que estamos em crise há muito tempo ou, pelo menos, em estado de crise em potencial. Mas, o quê significa "crise em potencial"?
Para responder, antes descreveremos um modelo para o desenvolvimento cognitivo humano.
Deve-se ao filósofo inglês e empiricista do século XVII John Locke a ênfase de, ao nascimento, a mente humana assemelhar-se a uma folha de papel em branco, ou "tabula rasa". A experiência, então, seria a grande responsável pelos conteúdos do intelecto e pela diferenciação entre as pessoas.
A evidência empírica reforça o sentido de verdade do argumento de Locke. No âmbito da cognição, experienciamos diferentes estágios de desenvolvimento intelectual suportados pelo desenvolvimento neurológico e estímulos do ambiente externo. Jean Piaget, um epistemólogo suíço, estudou e identificou esses estágios, em número de quatro e abrangendo o desenvolvimento contínuo das habilidades necessárias para a execução de tarefas sucessivamente mais complexas. Mas deve-se ao pesquisador Paul R Pintrich a descoberta que porção significativa da população mundial não atinge o quarto estágio de desenvolvimento, quando as habilidades intelectuais realizam seu pleno potencial de desenvolvimento e, como consequência, não desenvolvem autonomia em atividades que repousam intensamente no pensamento abstrato.
O pleno desenvolvimento intelectual assume um grau de importância tão elevado nas economias baseadas no conhecimento, como as do mundo ocidental, que noções até há pouco tempo pouco estudadas de forma sistemática, mas que possuem íntima conexão com o desenvolvimento cognitivo, se multiplicam. Exemplo é a transformação da noção de autonomia em conceito e sua sistematização, com a criação de uma escala para medição da autonomia no comportamento humano, denominada "The index of autonomous functioning" (Journal of Research in Personality n° 46, pp. 397-413, 2012). Nessa escala, a capacidade da pessoa ser reflexivamente a autora de suas ações, comportamentos e atitudes; a habilidade para analisar criticamente os eventos relacionados à si própria e ao ambiente externo; e ter controle sobre suas escolhas, com resistência às pressões externas capazes de desequilibrá-la emocionalmente, são os pilares do comportamento autônomo. Talvez essas capacidades já sejam de seu conhecimento pois, em certo sentido, formam os atributos das pessoas que, no mundo profissional, são tituladas como inovadoras. Com a diferença que. na escala de autonomia, são conceitualmente estruturadas e quantificadas.
As pessoas com comportamentos autônomos, ou inovadoras, desenvolvem a aptidão para moldar e transformar condições sociais e econômicas menos propicias em mais adequadas ao bem estar material do maior número possível de pessoas. Identificam oportunidades, moldam estratégias e as transformam em atividades bem sucedidas. São meritórias por que investem intensamente no desenvolvimento de uma habilidade estruturante e, teoricamente, disponibilizada igualmente para todos, que é a inteligência. Os obstáculos ao seu desenvolvimento também se apresentam para todos. Mas é componente da própria inteligência superar as adversidades com foco no esforço pessoal.
Mas onde surge a associação entre crise, "crise em potencial" e desenvolvimento cognitivo?
As crises, como a habilidade intelectual, são criações eminentemente humana. Crises não existem no mundo natural, mas tão somente causas e consequências objetivas desprovidas de valoração. No mundo físico existem pessoas, mas o fato de ocuparem uma atividade produtiva ou mergulharem em crises como consequência de altas taxas de desemprego é totalmente irrelevante.
É aqui que a associação se configura. Na predominância de desenvolvimento cognitivo aquém da potencialidade possível, e aceitação da situação como "normal", as pessoas assumem o risco de não controlarem suas vulnerabilidades e os possíveis danos decorrentes, principalmente de natureza econômica. Isso ocorre, em parte, porque as pessoas, sem capacidade crítica ou sem oferecerem oposição, adotam premissas logicamente falsas ou empiricamente irrealistas, muitas vezes fundadas unicamente na proeminência de quem as emite. Ou seja, aceitam a heteronomia como regra. No nível macro, sem confluência das inúmeras ações localizadas para objetivos gerais, mas claramente delineados (muitas vezes agrupados sob a designação "políticas públicas") e dissociados de mecanismos que canalizem os mais diversos interesses individuais em torno da coesão desses objetivos, as vulnerabilidades, ou fragmentação das energias, adquirem sucessivamente maior visibilidade e importância (a inexistência de um ambiente econômico brasileiro acolhedor ao empreendedorismo, seja pela elevada carga tributária, pela deficiência na infraestrutura física ou pelos juros exorbitantes, são vulnerabilidades assustadoras para um pais que necessita desesperadamente criar oportunidades para milhões de pessoas e tais vulnerabilidades estão há anos integradas ao cenário nacional). Ora, as crises são graves manifestações das vulnerabilidades não controladas e mitigadas. Portanto. são consequências de escolhas decorrentes de miopias e inabilidades e, potencialmente, disponibilizadas para manifestações em algum período de tempo. Por isso, "crises em potencial": as condições para suas deflagrações estão dadas. Falta apenas o evento desencadeador.
O inacreditável, e que clama por um grito de socorro, é que as crises brasileiras são recorrentes e nem sequer originais (ou tão somente "mais do mesmo"). Parece que nos recusamos a aceitar que nosso grande problema é uma questão de concepção sobre o que sejam ... ações e comportamentos intelectualmente inteligentes!